terça-feira, 25 de agosto de 2009

CTRL + R

Para quem não sabe, CTRL R, quando pressionado em um navegador de Internet tem o poder de atualizar a página que está sendo visitada. Com dois simples botões um novo mundo, atualizado e recente se abre diante as pessoas.

Camargo sabia perfeitamente isso. Fazia duas semanas que sua mão pequena e gorda apertava tais botões de maneira frenética, com intervalo tão pequeno que uma pessoa que vê de fora taxaria aquilo como ridículo no começo, patético com algum tempo. Mas ele não cessava. Era de seu conhecimento que sua página de emails se atualizava automaticamente com uma regularidade de dez minutos, mas sua ânsia, sua expectativa de receber a mensagem fazia com que esse intervalo se tornasse grande demais, uma tortura.

Naquele dia, fazia duas semanas exatas que sua rotina era a mesma: de bermuda de banho e um chinelo havaianas nos pés, uma camisa de mangas compridas em seu corpo gordo e baixo, ele seguia em frente ao computador em sua tortuosa expectativa. No intervalo de cada atualização ele perdia seu tempo com outros sites, navegação besta e sem propósito.

Não somente os terceiros que olhassem de fora aquela cena sentiriam pena daquela criatura. Ele algumas vezes se encontrou a pensar no despropósito de tudo aquilo, mas a inércia era muito grande e o manteve sentado em frente aquele computador todo aquele tempo.

Camargo havia se formado a pouco. Sua graduação em biologia tinha se dado de forma medíocre, o suficiente para que em seis anos ele houvesse concluído o curso, colado grau e tivesse permissão para apagar de sua mente todo o conhecimento adquiridos de invertebrados, platelmintos, pseudópodes e afins. Apagou com gosto as experiências com os colegas de classe e de suas andanças pelo campus arborizado da faculdade.

Uma das lembranças que custavam a sair de sua mente era a do dia do trote de iniciação do curso. Coberto de lama, vestido com um saiote e com os lábio e arredores cobertos de batom, Camargo permaneceu durante horas de pé em uma esquina arrecadando dinheiro que supostamente iria usar para pagar os livros do curso, mas que na verdade seriam para pagar os engradados de cerveja da festa que daria continuidade ao trote, a qual ele não participou. Estava claro para ele que foi aquele o dia decisivo em que a Biologia, a faculdade e todo o convívio com pessoas havia deixado de fazer sentido. Nunca havia sido tão humilhado. Agora, em frente ao computador, apertando CTRL R a intervalos mínimos, ele percebia o quanto estava humilhando a si mesmo, perante ele mesmo.

Engana-se quem pensa que não recebia mensagens. Recebia muitas. Ávido comprador de lojas on-line, recebia uma porção de propagandas e informações sobre diversos produtos, de diversas lojas, em sua maioria de computação. Sentia que já era amigo de pessoas com nomes bizarros como "no-reply", "atendimentoaocliente", "mailer", todos seguidos de arroubas e seus respectivos sobrenomes. Mas a mensagem que ele tanto esperava não chegava.

E se não chegasse nunca ? E, se ao completar o décimo quinto ano de espera e nada houvesse chego, quando ele igualasse a marca do coronel que, esperou por uma carta por quinze anos e nunca a recebeu, o que faria ? Procurava não pensar nisso. E mesmo que tentasse teria a certeza de não conseguir. Sua mente estava presa em apertar aquelas duas teclas. Os diversos catálogos eletrônicos, os jogos que ocupavam seu tempo entre as atualizações não representavam nada para ele. Sua cabeça era um vácuo incapaz de libertar-se.

No décimo quinto dias, logo que acordou se deu conta da felicidade em que se encontrava. Um cheiro de café fresco vinha da cozinha, tomava conta, convidativo, do quarto. Percebeu com facilidade, mas custou saber o que era aquilo que tomava conta dele. O computador estava ligado no canto do quarto, como que o chamasse para mais um dia de trabalho. Fugindo da rotina tomou uma ducha demorada, sem nem mesmo consultar a caixa de entrada antes. Tomou café com sua mãe, coisa que não lhe era comum. Depois de alimentar seu ramster que ficava na despensa apertou o CTRL R. Nenhuma mensagem. Sorriu com o canto dos olhos. Percebeu que seu quarto estava escuro, não entrava luz à semanas. Desligou o computador, tirou o fio da tomada e abriu a persiana e a janela. De repente, um mundo novo se atualizou diante dele.

8 comentários:

Geada360 disse...

Mais um excelente texto. Genial a sua sacada com as teclas de atalho para "atualização". Ficou muito bom o seu trabalho.

Estou começando a fazer o meu blog (que não chega aos pés do seu) que tem como tema - jogos eletrônicos e diversão. Se puder dar uma olhada eu agradeço. T + Fera

http://geada360.blogspot.com/

Unknown disse...

Olá, estava procurando a utilização do atalho ctrl+R, e me apareceu seu blog como resultado.
Então comecei a ler esse texto, e gostei bastante. Achei muito bom seu jeito de criar textos, e vou ler outros com certeza.
Parabéns e continue assim. =)

helder disse...

Faço minhas as palavras da dani, estava casualmente procurando o significado do atalho CTRL + R e me deparei com este texto de muito bom gosto, Parabéns ao autor.

Thiago Damasceno disse...

Faço as minhas as palavras da dani e do helder, tava de buenas procurando pra que serve esse atalho...me deparei com esse texto e comecei a ler, muito bom por sinal! Parabéns e continue assim!

Anônimo disse...

tambem tava procurando casualmente e vi esse texto. Mt bem escrito, por sinal!

Anônimo disse...

Faço minhas as palavras da dani, do helder e do Thiago Damasceno.

Parabéns pelo texto, adorei!

Anônimo disse...

Achei de de repente e amei o blog!!! e esse texto achei maravilhoso!!! Parabéns!

peroniot@gmail.com disse...

Achei esse blog sem querer e achei ótimo o modo como você escreve. Voce prende a atenção dos leitores com suas frases curtas, mas de impacto. Parabéns, continue escrevendo e sucesso.