terça-feira, 4 de agosto de 2009

Carola

Com esse texto participei do II Concurso da Revista Piauí.
A regra era usar a frase em negrito, originalmente de Proust, durante o texto. Tinha também um limite máximo de três mil e poucos caracteres

As erupções na pele marcaram minha adolescência e parte de minha juventude, e deixaram marcas que me seguem por toda vida. A elas dou o crédito de minha timidez, do meu caráter introvertido, e a culpo por ter casado com quem casei.
Quando se tem vinte anos e ainda é virgem, não conheceu os amores, nem carnais nem do coração, você acaba deixando de ser exigente com mulheres. Pois eu tinha vinte anos e era virgem quando conheci Carola.
Não era bela, longe disso. Tampouco era repugnante. Seu intelecto único, sua visão peculiar das coisas, não fazia dela um ser apaixonante. Tinha seu charme, no entanto. Era mestra na arte de encantar devido a um certo ar de superioridade e domínio que exercia. Pelo menos em mim.
Dizem que quando se tem vinte anos e ainda é virgem, sua primeira mulher é aquela que será sua última. Aquela com quem você irá se casar, ter filhos, netos, não por amor, mas sim pela marca que ela irá lhe deixar à fogo na pele. Foi o que aconteceu comigo. Quando me deitei com ela logo percebi que uma espécie de encanto, de magia, tomou conta de mim a ponto de me dominar pelas últimas duas décadas. Como amei Carola! Por ela perdi noites de sono, perdi o gosto pelas coisas mais adoráveis da vida para lhe dedicar completamente o meu amor. E por ela fui pisado por um bom tempo. No entanto não me arrependo. Depois das várias idas e vindas, dos dias tortuosos que passamos separados por ela não achar que eu a amava o suficiente, quando ela finalmente aceitou ser minha esposa, fui um homem completo.
Logo veio nosso primeiro filho. Estava dominado pelo feitiço que ela me causara e agora pelo presente que havia me dado. Não percebia que estava preso por suas artimanhas.
Quando meu pai faleceu deixou para mim uma pequena fortuna. Era Carola quem a administrava com certo descuido. Sempre achei encantadores seus vestidos, de boa qualidade e bom gosto. Me encantavam as viagens que fazíamos pelo mundo e o conforto que tínhamos em casa. Eu vivia um sonho do qual só fui acordado quando o dinheiro acabou. Estava tão cego e perdido de amores por Carola, por aquela vida de regalias que levava, que não percebi que o dinheiro se esvaia. E o amor que eu acreditava que ela tinha por mim foi sumindo. Certo desprezo começou a tomar seu lugar. A coisa foi tão severa que cheguei a por em dúvida o amor que eu sentia por ela.
Foi num certo dia, quando ela voltou de uma loja onde seu crédito não havia sido aceito, que tudo culminou de forma rápida e repentina, e eu soube a farsa que foi minha vida. Em meus ouvidos ainda ressoavam frases como, “sempre te desprezei”, “você nunca foi digno de me ter como esposa”, quando me dirigi até a cozinha e apanhei a faca. Não foi nada premeditado, tampouco foi algo súbito. Sabia bem o que estava fazendo e em nenhum momento pus em dúvida meus atos. Mesmo de costa para mim podia ver seu olhar mesquinho, podia sentir seu desprezo. A faca correu macia e em pouco tempo ela engasgava com o próprio sangue estendida no chão.
E dizer que estraguei anos de minha vida, que eu quis morrer, que tive meu maior amor, por uma mulher que não me agradava, que não fazia o meu gênero!

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