quinta-feira, 20 de agosto de 2009

No Avião (Rascunho)

Como antecipação da viagem que farei em janeiro para Argentina criei esse post. É uma tentativa de apaziguar as expectativas da viagem. Vou passar um mês em Buenos Aires estudando e passeando. Espero escrever muito por lá também.

Devido aos últimos atentados que ocorreram em aviões, o vôo que peguei de Curitiba à Argentina estava vazio, somente algumas poltronas dispersas estavam ocupadas. Nunca havia viajado em avião e a expectativa era grande. Meu irmão havia dito do frio na barriga que da quando o avião decola e minha mãe do medo que da quando a turbulência é forte. Mas minhas expectativas eram grandes. Uma vez vi em um filme ou comercial um avião voando acima de um temporal. Um avião nadando sobre um mar de nuvens carregadas banhado por um sol grandioso e imponente. Me disseram que daqui até a Argentina eu nunca iria ver isso por causa da baixa altitude do vôo. Mas quem sabe? Talvez o piloto errasse a rota e nós fossemos parar em um lugar completamente diferente do destino. A mim não faria diferença. Quando se está fugindo não faz diferença para onde vai, contando que seja longe.

Para dizer a verdade não senti nada diferente durante a viagem. A impressão que tinha de que iria acontecer algo grandioso, uma vista estupenda que ficaria marcada em mim para sempre, uma visita rápida ao minúsculo banheiro com uma aeromoça, quem sabe, ou até mesmo um desses atentados que significaria o fim da minha vida, nada disso aconteceu. Para falar a verdade gosto mais é de viajar de carro pela serra onde há mais paisagens bonitas que aquela imensidão azul.

Nas poucas vezes que viajei, o que mais me chamou a atenção foram as ruas e a arquitetura dos prédios. Não pela arte presente nelas mas sim por ser um lugar que vi pela primeira vez, onde nunca botei os pés antes e que difere muito dos lugares da minha cidade natal. Logo que o avião pousou e eu olhei ao redor fui tomado por essa sensação de estréia, de primeira vez. Um lugar completamente diferente onde eu poderia iniciar uma nova vida.

Minha primeira vez no amor foi um tanto tarde. Fui sempre muito ligado à família, o que talvez não justifique, mas sempre preferi ficar em casa com meus pais e irmãos do que sair em bares à caça de mulheres. Gostava de assistir filmes nos fins de semana, principalmente quando meus pais e meu irmão saiam e só ficava eu e a Isabel, minha irmã, em casa. Assim cada um podia se esticar em um dos sofás e assistir o filme mais confortavelmente. Às vezes fazíamos pipoca na panela mas era raro porque nós dois tínhamos preguiça de lavar a louça depois. Era bom porque nós gostávamos dos mesmos filmes de aventura e tínhamos o costume de ver-los mais de uma vez. Desde que essa onda de violência se instalou no país não parava filmes novos nas prateleiras das locadoras. Acho que só meus pais tinham ainda a coragem de irem à restaurantes. Tivemos também nossa fase de ver filmes de romance. Durante pelo menos seis meses foi o que mais assistimos, talvez só o que assistimos. Mas o que realmente era uma unanimidade entre nós dois eram os filmes com avião. Desses que os pilotos morrem e um cara qualquer pousa o avião com precisão, ou aqueles em que um grupo terrorista invadia o vôo e também um qualquer salvava a todos. O que nos encantava era que a gente podia ser um daqueles qualquer.

Foi somente em Isabel que eu pensei durante o vôo. Quando o comandante do vôo liberou o uso de aparelhos eletrônico eu liguei meu rádio em um CD do Couting Crows. Como ela odiava aquele CD! Como um tributo à ela passei a ouvir PJ Harvey que era algo que nós dois gostávamos de ouvir. Fechei os olhos e comecei a lembrar da infância.

Uma infância passada totalmente na cidade. Raramente descíamos a serra para ir à praia, e era a cidade o nosso refúgio. Todos aqueles prédios altos, os tons de cinza, o trânsito, a fumaça, até as pichações nos agradavam. Uma vez uma colega de classe me disse que todos tem um lugar especial, aquele que é só nosso. O nosso lugar era uma praça perto de casa. No fim das tardes de calor e sol as crianças lotavam a praça, brincavam no parquinho com suas mães e babás. Mas era nos dias nublados e chuvosos que nós gostávamos de ir para lá. Sentava cada um em sua balança e ficava lá, sem conversar, sem se olhar, com os olhos fixos no chão aproveitando daquele silêncio comunicativo.

Isabel sempre foi sem dúvida minha melhor amiga. Nosso outro irmão era muito mais velho e Isabel e eu nascemos quase juntos. Minha mãe vivia invocada com os colégios que nós estudávamos, implicava muito com os planos pedagógico e assim nós mudávamos muito de colégio. Era difícil fazer amizades duradouras, então desistimos e nos refugiamos um no outro. Não sentíamos falta de mais nada. O que um não tinha o outro supria e assim passamos nossa infância e nossa vida.

Com a chegada da adolescência as coisas começaram a mudar. Eu passava boa parte do dia trancado no banheiro e Isabel ficava cada vez mais isolada no seu quarto. Fui saber mais tarde que ela escrevia um diário que eu nunca cheguei a ler. Mas nosso passeio à praça em dias nublados e chuvosos continuava. Muitas das vezes um dois quebrava o silêncio. Ela dizia coisas pesadas, meio filosóficas. Era uma menina inteligente e acho que era isso que lhe dava aquele ar taciturno, semblante sempre fechado e pensativo. Eu lhe perguntava coisas sobre as mulheres e algumas vezes pedia que ela me apresentasse alguma colega para eu sair. Parei de pedir isso porque a deixava nervosa, inquieta.

A aeromoça me trouxe uma bebida, um suco meio quente de laranja e encostou sua mão na minha. Aquilo me deu um flashback imediato do dia em que assistimos “Assédio Sexual” na tevê. O Júlio, nosso irmão, se esticou no sofá grande com duas cobertas até o pescoço. A Isabel ficou brava porque ele não quis ficar com o sofá menor mas não adiantou: ficamos nós dois a dividir o sofá de dois lugares, cada um sentado num gomo com uma coberta de lã. O filme era muito chato. Talvez eu nunca fosse lembrar dele não fosse o que aconteceu durante o filme. O Júlio roncava desde os dez primeiros minutos. Eu pensava em fazer o mesmo quando, em uma cena de sexo entre Michael Douglas e Demi Moore, a Isabel me segurou a mão e apertou forte. A cena durou pouco e logo que acabou ela soltou minha mão, levantou-se e foi para o quarto. Eu não soube o que fazer. Apertei o pause no controle e esperei que ela voltasse mas não voltou. Me quedei em um silêncio quase total e procurei acalmar minha respiração com o ressonar do meu irmão mas não era possível. Meu corpo tremia, minhas mãos suavam e eu ainda tinha aquela ereção que me preocupava pois não sabia se era por causa da cena forte ou pelo que tinha passado na sala. Mas afinal, o que foi que passou naquela sala? Seria só uma coincidência, ela segurou minha mão como um boa noite silencioso ou era algo mais significativo?

Na manhã seguinte, quando acordei ela já havia ido ao colégio. Tirei o Júlio do sofá onde tinha dormido e preparei meu café da manhã. Chegando no colégio evitei ao máximo passar pela sala de minha irmã. Ainda não sabia lidar com aquilo que havia passado. Nem sabia se havia passado algo realmente. Foi uma manhã de tortura. Durante as aulas não consegui me concentrar em nenhum momento e de quando em quando tinha que lidar com uma excitação repentina que agora tinha certeza de não ser pelo filme. Ela é minha irmã, pelo amor de Deus! Eu me repetia aquilo como se fosse apaziguar as coisas mas só pioravam. Ela é minha irmã...

Saí do colégio antes de começar a última aula. Fui a pé como de costume, não me importando com o tempo que estava gastando. Não tinha pressa de nada, estava absorto em meus pensamentos. Quando tentava atravessar uma rua fui surpreendido por um carro que passava em alta velocidade e buzinou como um louco porque eu o fiz desviar de mim. Por um momento desejei que ele tivesse me acertado, assim eu iria parar no hospital e teria outras coisas para povoarem minha mente.

Quando cheguei em casa somente ela estava lá. Não usava o uniforme e logo percebi que não havia ido à escola. Encontrei ela na cozinha e ficamos cada um de um lado da mesa, frente a frente, nos encarando por um longo tempo. Aproximou-se um passo de mim de forma acanhada e eu fiz o mesmo. Mas um longo silêncio. Um longo e significativo silêncio. Naquele momento tive a sensação de que não que éramos irmãos, que nunca havíamos sido, que nunca ficamos sentado lado a lado na praça durante nossa infância. Foi o que me fez avançar em direção dela tomado de desejo. Ela fez o mesmo e em meio caminho nos encontramos e nos beijamos ferozmente. Tudo se desanuviou em minha mente e eu só tinha pensamento para seu corpo, seus lábios, seus seios. Parecia ter esperado por aquilo durante toda minha vida, mas ela só havia deixado de ser minha irmã na noite anterior. Agora eu a tinha nos braços, ela me tinha nos braços.

Como se ao mesmo tempo nos déssemos conta do que estávamos fazendo nos afastamos. Sua cara agora era de pânico, talvez nojo, e algumas lágrimas brotavam de seus olhos. Não, era medo, vergonha. Ela correu para o quarto e eu não quis impedir. Queria me ver livre dela, de toda aquela situação. Sentei em uma cadeira e deitei a cabeça sobre a mesma. Assim fiquei por muitos minutos. Os outros chegaram e, como percebessem meu olhar abatido e distante se puseram a perguntar coisas, o que havia acontecido. Me recompus, disse que não me sentia bem e subi para o quarto. Ao passar por seu quarto vi minha irmã estendida sobre a cama, o edredom e o chão sujos de sangue e uma lâmina estendida sobre a cama.

Antes de o avião pousar eu já tinha a certeza de que fugia daquele barulho de sirenes que tomaram conta daquela tarde, do policial que me interrogou durante um bom tempo e da imagem dos meus pais e do Júlio em estado de choque, sentados nos sofás sem entender o que havia acontecido.

Dois meses depois daquele dia eu desço as escadas do avião e desejo que tenha deixado nas nuvens tudo o que passou. Sonho ser capaz de poder esquecer, mas quando apanho minha malas na esteira sinto que ela esta comigo, sinto seu hálito no ar e percebo que de certas coisas não há como fugir.

Um comentário:

Kelly disse...

Oi Ricardo, tudo bem?

vim conhecer seu "canto", e, já começo com um pedido: tire fotos de Buenos Aires, please!(se puder, é claro!).

Tive vontade de conhecer Buenos Aires, mas, depois da pandemia resolvi dar uma "segurada" no desejo de visitar a cidade.

Mas, será bacana vocês nos presentear com fotos em seu blog.

:)

volto!