sexta-feira, 17 de julho de 2009

Os Capitães do Asfalto

Depois do divórcio de meus pais, fui morar com minha mãe e meu irmão em Florianópolis. Foram tempos difíceis. Tinha uns quinze anos e não conhecia ninguém. Com a chegada das férias as coisas melhoraram e, após muitas tentativas frustradas, eu e meu irmão conseguimos nos enturmar com as crianças de nosso prédio. Costumo pensar neles como os Capitães da Areia, sem os roubos e maldades, com um pouco mais de carinho. Em pouco tempo nós éramos mais dois deles, os Capitães do Asfalto.
Não importava se era dia de escola ou fim de semana, a correria pelas ruas, seja brincando de esconde-esconde ou de bandido e mocinho, ia até tarde, longos períodos sem comer e bebendo água em uma torneira qualquer. A liberdade era nosso lema, sem ao menos saber a profundidade desta palavra. Foi bem na época em que começou a despertar a atração pelas meninas, passávamos horas galanteando as garotas de nosso grupo, vezes com sucesso e muitas sem.
Nosso ponto de encontro era o prédio ao lado do que eu morava, no Algarves. Lá moravam muitos de nós, era nossa rua, nosso campo de futebol, nossa base. E lá morava uma figura única, o participante mais ativo do grupo. A sacada de seu apartamento dava de frente para a Esteves Jr. e de lá ele não saia. Não sei seu nome nem sua idade. Sempre pareceu bem mais velho. Ele tinha algum problema mental e passava o dia a cumprimentar as pessoas da sacada de seu apartamento. A única coisa que dizia era "oi", mas um oi anasalado, com algum sinal de "n" no final. Aquele oi era a marca dos meus dias, algo que dizia que tudo estava em seu lugar.
Após um ano voltei para Curitiba. Deixava para trás uma vida de um ano, deixava amigos, os Capitães do Asfalto. Nem tive tempo de sentir falta deles. Logo as aulas aqui começaram e eu tive de estudar muito pois eram bem mais difíceis, os professores mais exigentes. Com o tempo me enturmei com um pessoal da escola nova e esqueci completamente aquele ano.
Então tudo aconteceu muito rápido; a primeira namorada; as saídas à bares; vestibular; faculdade. Quando me dei conta estava com vinte e cinco anos e de férias marcadas para Florianópolis. Era minha primeira visita desde que a havia abandonado. Tinha perdido contato com os amigos antigos, com a antiga vida levava.
A cidade havia mudado de maneira absurda. Ao lado do Algarves agora se erguia um prédio alto e do lado dele mais dois estavam quase prontos. Cafés enchiam as ruas onde antes eu conhecia como a palma da minha mão. Conversei com o porteiro do Algarves e ele não conhecia nenhum dos meus amigos. Era como se não tivessem existido. Na saída, meio cabisbaixo, senti aquele cheiro peculiar, o cheiro de Florianópolis, e alguém do primeiro andar do prédio dizia um "oi" anasalado para todos que passavam. Como José Arcádio Buendía tinha previsto, a seta do tempo havia parado, e lá estava eu vivendo minha vida novamente.