terça-feira, 18 de agosto de 2009

Quase

Certas coisas nós nos lembramos de uma forma enigmática. Somem os detalhes e você se queda apenas com as sensações e sentimentos. As músicas às vezes.

Daquela tarde de verão de mais de quinze anos atrás eu só me lembrava do calor e do meu irmão mais velho. O Guilherme, irmão do meio, estava viajando e meus pais estavam em estado total de modorra no quarto. O calor era tanto que ninguém no bairro saía de suas casas.Somente eu e o Alexandre na rua.

Boa parte do tempo nós caminhávamos pelas ruas desertas, cada um com um dos fones de ouvido escutando “Nevermind”. Eu só fui me lembrar exatamente da música agora que devo tê-la escutado pela milésima vez em minha vida, a primeira hoje e a única vez que a escuto desta forma.

Algo que eu só lembrei agora foi de que o Alexandre quis me levar para um jogo do Coritiba. Eu nunca tinha ido a um jogo antes e nem sei se na época eu já era Atleticano. A simples idéia de eu ir a um jogo de futebol pela primeira vez em minha vida, naquela que era a tarde mais quente e tediosa, me deixou extasiado.

A princípio foi difícil convencer meus pais a nos deixarem ir. Apesar de o Ale ser bem adulto, eu era pequeno demais. Não ajudou nada o fato de nós termos acordado os dois.

Quando finalmente, depois de muito choro e uma infindável lista de recomendações nós conseguimos autorização, rumamos direto para à frente da papelaria onde iríamos encontrar um táxi que nos levasse ao Couto Pereira.

Não havia nenhum. Me sentei no banco a espera do taxi enquanto assistia meu irmão mais velho fazer embaixadas com uma bola imaginária (ou seria com uma bola de papel ?) Sempre que eu pensava naquele dia eu lembrava apenas do calor e da música, que eu pensava ser uma do Alice in Chains. Mais agora eu estou certo de que era Nevermind. Em todos os casos, nevermind, o que realmente importa é que o taxi não chegou. Era domingo e, por mais que nós esperássemos o tempo que fosse o taxi não chegaria.

Assistimos juntos o sol mudar as matizes de cores do céu e quando os primeiros torcedores passaram pelas ruas buzinando nós voltamos para casa. Cinco anos depois esse meu irmão mais velho, o Alexandre, morreu. Dele só me sobraram uma foto três por quatro e, mais vivamente agora, a lembrança daquele dia. E só de pensar que se um taxi estivesse ali naquele hora pronto para nos levar para aquele estádio eu não seria Atleticano, me causa arrepios.

Um comentário:

Professor Elson H. Teixeira disse...

Ora, ora Ricardo. Arrepios por quase ter se tornado Coxa Branca? Não sei porque.
Veja só, maior torcida, maior público, maior nº de títulos, etc., etc., etc...
Gostei da sua reflexão no texto, teu estilo de narrativa é muito bom.
Abraço, prof. Elson