sexta-feira, 2 de outubro de 2009

2016

Don’t Let Me Down

The Beatles

Lá fora faz calor, mas as nuvens começam a encobrir e céu anunciando chuva. O condomínio com seus trinta blocos e sua quadra de esportes no centro estão vazios. Todos que não estão trabalhando se encontram em casa, todos assistindo o mesmo canal. Em instantes será anunciada a sede das Olimpíadas de 2016. Em algumas janelas pode-se ver bandeiras do Brasil estendidas e em alguns momentos se ouvem buzinas soando em algum lugar.

Ele também se encontra em casa. Está sentado em um sofá de três lugares com sua TV de plasma ligada no canal do anúncio. São 13:29 e a qualquer momento será feito o pronunciamento. Mas sua mente não está ali. Esta na viagem que fará dentro de meses.

Talvez algum dia consiga, mas no momento não, dizer o que o fez ter aquela idéia da viagem. Nas suas aulas de Espanhol as pessoas diziam o quanto era barato estudar na Argentina, das vantagens, dos passeios que se pode fazer. Mas o ponto que mais lhe chamou a atenção é que todos aqueles que estudavam com ele eram viajados, tinham trazido cultura de outros países, de outros lugares. Até ele admite que foi um pouco de inveja que o fez querer viajar, mas não somente.

Ontem ele terminou mais um livro e dele surgiu mais uma hipótese: viajar para terminar de nascer. Sim, Buenos Aires seria sua casca do ovo e ele teria de quebrar sozinho. Ninguém estaria por perto. Essa idéia lhe dava calafrios. Não demorou tanto assim, já agora ele sabe que a viagem é mais que uma aventura, mais que experiências culturais e lazer. É uma viagem que vai determinar como será sua vida daqui em diante.

Na TV se vêem fogos no dia claro, as pessoas se abraçam, estouram espumantes. O Brasil vai sediar as olimpíadas. Ele até poderia colocar um ponto de exclamação mas não esta eufórico. Deitado no sofá se encontra em um estado de modorra, pré sesta. Não sabe dizer se aquilo é um princípio de sonho ou se é a realidade. Se for realidade ela está deturpada pois ele não está totalmente desperto. Ele se encontra agora nas ruas da Recoleta com diversas pessoas ao seu redor comemorando o feito. Mas que feito ? Os jogos não serão aqui. O que tantos “hermanos” comemoram, com camisas da seleção Argentina e bandeiras tremulando no ar ?

Uma voz mais alta na TV o desperta por completo. É o Presidente que agora faz um pronunciamento.

Ele se levanta e vai lavar o rosto no banheiro. Sabe que após lavar o rosto se sentira melhor, mais animado, pronto para os preparativos. Não foi dito ainda, mas os preparativos da viagem começam hoje. Ele já recebeu seus papéis do colégio onde vai estudar, sabe onde vai dormir e pode começar os preparativos.

Na mesa da sala se encontram alguns guias, panfletos que ganhou na agência e um computador. Pesquisa intensamente, alternando os guias com a Internet. Sabe agora o que fazer nos primeiros dez dias. Viu tantas fotos e mapas que parece ser íntimo da cidade.

Mas ele sabe que não são esses os preparativos que tem de fazer. “Para acabar de nascer” – pensa em tom professoral – “é preciso ter o corpo pronto”. Para quebrar a casca tem de estar com o corpo forte, pois não será fácil. Parar de fumar foi o primeiro passo, mais difícil do que todos imaginam, mas ele conseguiu. Mas ainda não consegue acordar cedo. Não consegue parar de depender dos outros. Três meses parece bastante tempo, mas talvez não seja suficiente. Sabe cozinhar, mas não cozinha. Sabe o que deve fazer, mas não faz.

O roteiro está quase pronto, memorizado. O espanhol está afiado, mas será o suficiente? Não é.

Só os Beatles o podem ajudar. Talvez por eles terem milhares de músicas e outras dezenas de milhares de refrões, os Beatles são sempre a resposta para problemas. Ele corre o dedo pelo seu iPod em busca de uma música que pode servir. Sabe que vai achar. Don´t Let me Down. Não, ele não pode decepcionar a si mesmo. Simplesmente não pode e não vai. Vai andar pela Recoleta, por Córdoba, pelas cidades vizinhas, vai visitar o El Ateneo e tudo isso de cabeça erguida, firme em seus propósito e socando a casca o máximo que puder.

A música o deixa extasiado. Agora na TV uma apresentadora diz coisas (ele não ouve pois colocou a TV no mudo) propondo um brinde. Lendo os lábios dela ele consegue entender: “Agora um brinde para aqueles que tem coragem, que tem o poder sobrenatural de ver o problema e agir sobre eles, quem vêem as dificuldades mas que são mais fortes que ela. Para todos esses, um brinde”. Ele ergue seu copo de Coca e agora a voz dos Beatles dizem (imploram?) Don´t Let me Down.

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