terça-feira, 17 de março de 2009

A Última Noite

Fazia frio e a lua, quase cheia, refletia em seus olhos marejados e nas eventuais lágrimas que escorriam pelo seu rosto. Aquele era um sentimento novo. Nunca foi de chorar exceto quando criança e nunca de sofrimento. Aquela sensação lhe arrebatava. Como se os olhos, essas eternas mentes pensantes, soubessem o que estava prestes a aocontecer e precisassem de alguma forma agir.
Tomou mais um trago de Velho barreiro disfarçado em garrafa de água e foi para a beira do terraço em que estava. Então é assim que vai acontecer ? Não, não podia ser assim. Tinha de se despedir de seu eterno amigo, aquele que nunca cobrou explicações, sempre aceitou tudo sem interferência, o papel em branco. Tirou de sua mochila um pequeno bloco de notas e pensou no que escrever. Porque agora sentia urgência de escrever em forma de poema, sendo que nunca foi exatamente um apreciador de poemas ? Nunca conseguiu entende-los em suas métricas e rimas.
Decidiu que apenas prosa servia. A essa altura uma nuvem carregada cobria a lua. Sentou-se em uma cadeira e começou a escrever. As idéias fluiam, a caneta não parava. Em dez minutos terminava sua carta de despedida. As lágrimas agora corriam fácil e alguns dos clientes daquele café olhavam com curiosidade (pena ?) para aquele rapaz totalmente perdido em seu mundo.
Ele tirou uma pequena caixa que havia comprado na farmácia e, com toda tranquilidade do mundo, para não se cortar, tirou uma lámina da caixinha. Preparou um pequeno "cabo" de guardanapo para proteger seus dedos da lâmina e começou a cortar os braços, principalmente o pulso. As pessoas a sua volta levantavam, com medo e se afastavam. Ele largou a lâmina e com a mão boa deu mais uma tragada no cigarro, manchando-o de sangue. Depois de um tempo, quando chegou um segurança do shopping as pessoas começaram a chegar mais perto. Alguém tirou a camisa para fazer um torniquete e proteger seu braço, mas ele se levantou antes e foi em direção da mureta do terraço. Uma perna já estava do lado de fora quando um segurança franzino puxou-o para dentro. O desespero era total. Mulheres choravam e homens colocavam a mão na cabeça sem saber o que fazer. Uma leva de seguranças chegaram para ajudar e na briga contra o suicída, uma mesa, aquela mesma em que ele sentava, foi derrubada. Seu escrito final voou alguns metros e ficou perdido naquela bagunça para a eternidade.
A âmbulancia chegou quando o homem estava mais calmo, meio desmaiado, sem força para agir. Em vinte minutos estavam no hospital. Tudo ficaria bem.

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