segunda-feira, 30 de março de 2009

Ilha da Magia

Carlos estava miserável, não sabia o que fazer. Como fugir daquele dia ? Não era da solidão que lhe apertava o peito (com essa já se acostumara), nem um compromisso angustiante nem nada que pudesse simplesmente jogar para outro dia ou cancelar por completo. Ele queria fugir daquele dia, daquele sol de inverno, daquele frio de inverno e, principalmente, daquele céu azul sem nuvens típico do maldito inferno.
Na infância aquele tipo de dia já lhe massacrava e, para fugir, ele se trancava no quarto e se fixava na tela do computador durante horas até que a noite se apoderava do céu e seu peito ardia menos, com mais calma.
Eram onze horas da manhã. O dia estava começando. Os dias de fulga ficaram, ou deveriam ter ficado, para trás. Uma tarde trancado em sua kitchinet, com a coberta cobrindo a janela para não deixar nem uma luz do sol entrar, passando frio e sem nem mesmo um computador para se distrair, com certeza era uma receita para a desgraça. E desde aquele dia em que deixara seu lar, jurara para si mesmo que não pensaria mas nequele tipo de coisa, pois, desta vez, não haveria quem o impedisse.
Carlos deixou sua casa, sua família, boa parte de sua vida, e veio para a ilha da magia. Estava cansado de magoar os que ele amava, de magoar e enganar a si mesmo. Então, largou o emprego, trancou a faculdade e, com seu último salário, veio para Florianópolis se "esconder". O sofrimento da família foi terrível. Eles achavam, ou melhor, eles tem certeza, de que ele seria melhor cuidado em Curitiba, junto deles. Mas Carlos estava irredutível. Nada o faria mudar de idéia. Ver seus pais e seu irmão chorarem por sua causa mais uma vez seria demais para ele. Ele poderia aguentar tudo: solidão, ansiedade, angústia, mas aquele olhar de você-nos-magoou-novamente seria demais.
Florianópolis foi a segunda opção. A primeira foi a morte, mas ele era um covarde, do que viria a se orgulhar quando tudo passasse um dia. Porque ele tinha plena consciência de que passaria.
Em sua nova casa não havia nenhum atrativo. Sem televisão (sorte ?), sem seus livros que um dia iria buscar, sem nem mesmo uma cama, somente um colchão velho jogado no chão. Mas ele não se importava. passava o tempo que tinha procurando emprego em qualquer lugar e quando tudo fechava ia para a Beira Mar andar, sentir o cheiro do mar e deixar que a brisa agradável da baia secassem suas lágrimas. Como podia alguém ser tão preso as suas origens ? Faziam dois meses já, e as lágrima continuavam a brotar de sua face com as menores das lembranças. Talvez uma dose de alguma coisa ajudasse, mas o medo de se meter em confusão em um lugar tão distante de casa o impedia. Mas sua casa estava ali, a algumas quadras, como poderia estar distante ?

O tempo passou. Carlos aprendeu coisas que somente a distância da vida permitem. Conseguiu um emprego, que comemorou tomando uma taça de vinho branco com pizza. Não era nada especial: um emprego de seis horas em uma loja no centro, perto de sua casa (?) e com um salário razoável. Durou no emprego seis meses. Foi o suficiente. Depois daquela última noite percebeu o que realmente lhe era importante.
Uma senhora entrou na loja com a neta ( devia ter oque ? vinte, vinte dois anos ?) para comprar um livro para dar de presente. Tinha tantos, mas Carlos se viu escolhendo Cem Anos de Solidão. Era um dos primeiros livros "cabeça" que ele havia lido. Sua família inteira havia lido. Até seu pai, mesmo não tendo gostado, leu inteiro, com letra pequena e tudo.
Carlos sentia falta daquilo, desse negócio de família. Florianópolis era ótimo, morar lá, sozinho, tinha seus prós e contras. O pensamento da morte tinha ficado para trás mas o sentimento de perda da família, daquilo que sempre lhe foi uma identidade, continuava.
Despediu-se da senhora com a neta, foi até a gerente e anunciou: estou indo para casa.

Um comentário:

Anônimo disse...

quem nunca pensou nisso, não é?