terça-feira, 14 de abril de 2009

Coisas que não devem ser feitas

Caso você não saiba esta chovendo. Um dia eu vi a divisa da chuva. De um lado chovia, do outro não. Durou pouco até a chuva tomar conta de tudo, mas eu estava lá, parado na janela, fazendo sagu de uva.
Hoje choveu pedra, caso você não saiba, e ao invés de sagu estou escrevendo. Devia estar fazendo um dos vários trabalhos de faculdade pendentes mas esta chovendo e como diz o ditado, "não faça trabalho enquanto chove".
Se a chuva, voltando para terra trás mesmo as coisas do ar, eu também tenho medo da chuva. Medo que ela traga aquilo que propositadamento foi deixado no ar e a ele pertence. Coisas que não foram ditas, que não foram feitas. Essas são as perigosas. Fuja delas!
Se você quer um exemplo de como as coisas não feitas tem um impacto grande, vou contar a história de um amigo meu, o Carlos. O Carlos é uma figura, gente boa como só ele. Nos seus dezenove anos de vida ele já fez de tudo. Estudou até terminar o segundo grau e começou uma faculdade com 17. Conseguiu faz pouco tempo um estágio bacana e isso é tudo que fez. Mas que figura esse Carlos.
Acontece que um dia desses um amigo dele passou num dos últimos vestibulares da história e foi comemorar em um puteiro. Convidou vários amigos e pagou para todos. Claro que só pagou a entrada, o resto ficava a cargo de cada um. Uma das características desse meu amigo que fez de tudo era ver a beleza na sua forma mais bruta, as vezes até onde não existia.
Mas naquela garota da vida, magrinha, loira e pálida, que destoava das outras por não ter formas exuberantes, era fácil ver que existia uma beleza em algum lugar escondido entre sua timidez e sua delicadeza. Quem visse aquela moça em um outro lugar falaria que ela tinha pudores, mas com apenas uma cinta-liga e uma calcinha mínima de renda, com os seios também mínimos a mostra, andando entre um monte de homens com suas ereções, ela não passava de uma puta qualquer.
E foi por ela que Carlos se encantou. Não o culpo. A garota era mesmo encantadora. Nós temos mesmo um gosto semelhante por mulher e se ele não tivesse grudado nela na hora que chegou, eu teria grudado nela.
Ele pagou uma dose de whisky vagabundo pelo preço de um de cem anos e foi o suficiente para fazer ela não sair de perto dele. Ele falou por dez minutos a cerca dele e de sua vida e foi o suficiente para ela se apaixonar por ele. Mas que sorte! Dizem que as garotas fáceis se apaixonam facilmente pelos seus clientes. E geralmente os clientes não são nenhum modelo de pessoa para se apaixonar. Exceto o Carlos. Aquele é uma figura, das raras.
Na terceira dose ele levou ela para o quarto. E não como uma prostituta mas como uma amante. Pois desde a segunda taça de champagne ele já amava ela também. E o que ele devia fazer ? Tratar ela como uma qualquer, fazer carícias, recebe-las, dar vazão ao seu lado animal e ejacular dentro daquela que amava ? Ele não podia fazer aquilo. Ela não merecia, nem ele. E está aqui as coisas que ficam de lado, as coisas que não são feitas e que ficam no ar onde elas pertencem.
Por mais impossível e clichê que pareça eles dormiram abraçados, de "conchinha". Fizeram amor enquanto dormiam e era aquilo que ambos precisavam.
A hora passou, o dinheiro acabou e foi hora das despedidas. Mas até quando ? Será que ele devia voltar como um cliente ou como um amigo, como um amante ? Será que valeria a pena os risco, o ciúme dela ser dele e de vários ao mesmo tempo, em curtos espaços de tempo ?
Esta era uma resposta que perdurou durante um tempo. Júlia, esse era o nome dela, anotou seu telefone em um papel, mas ele demorou para ligar. Perdera o sono, o apetite, a sanidade. Mas porque tudo aquilo ? Será que era pela luxúria, será que era desejo em seu estado mais carnal ? Ou era o fetiche, o sonho de dar uma vida mais respeitável para aquela que não teve chances e todas essas lenga-lengas de ajudar o próximo ?
No dia que ele ligou tinha chego a conclusão que era um misto dos dois. Marcaram um encontro fora da casa de shows. Vestida, ela parecia uma pessoa normal. Passaria facilmente despercebida entre a multidão. Conversaram durante horas, cada um falou de sua vida mais a fundo e em três horas de encontro, esse gratuíto, ficaram amigos, nada mais que isso. O desejo de ambos acabou. A pena que ele sentia dela se esvaiu. Não havia nada nela que desse pena. Era uma moça comum com uma profissão incomum.
Se conversam até hoje, são íntimos como amigo. Cogitaram algumas vezes terem relações mas não foram adiante. Essas coisas que ficam no ar, as que eu tenho medo (Carlos também tem, ele me contou) nem sempre são ruins. Mas enquanto elas continuam no ar. Que essa maldita chuva de granizo que parece que vai destelhar a casa não as traga de volta.

4 comentários:

Anônimo disse...

que foda esse texto. argumento do caralho.

Eliseu Raphael Venturi disse...

somos três com medo disto então...

Eliseu Raphael Venturi disse...

http://eliseurventuri.blogspot.com/2009/04/nao-faca-trabalho-enquanto-chove.html

Eliseu Raphael Venturi disse...

nossa.